Não há regras para boas fotos, apenas há boas fotos
(Ansel Adams)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

UMA FOTO, UMA LEITURA



                                                                   FOGES-ME

Foges-me. Foges-me por entre estes meus dedos jovens e imaturos que não sabem conhecer-te, não sabem chegar a ti, foges-me a cada avanço que instigo para recuperar os laços frágeis que criamos na ignorância da juventude, na belle époque da vida dos felizes contemplados que têm tudo sem esforço. Tudo era fácil e, eu, apenas eu, na ingenuidade e veleidade da imaturidade que me confortava, não percebi que as coisas se haviam tornado difíceis para ambos, era necessário sair do conforto da inércia, era necessário esforço, dedicarmo-nos a nós, dar-lhe prioridade em vez do eu…tu foste fazendo isso e, eu, apenas eu, achei que se um de nós o fizesse era o suficiente, mas não, permiti que um vidro grosso e transparente irrompesse entre nós. Sem dar conta vejo-te a fugires-me através desta parede e, quanto mais procuro chegar a ti, mais bato com a minha cara de miúdo púbere neste muro invisível e cruel que nos separa.
Com a cara colada nesta barreira fria grito bem alto que percebi, que vou fazer as coisas de forma diferente, que vou deixar que a barba comece a aparecer nesta cara de miúdo mimado, que hoje mesmo vou ao supermercado e comprarei o que quiseres, ou melhor, o que precisarmos. Farei uma lista, isso, farei uma lista de compras, vou ao supermercado e tu podes ficar em casa a descansar. Vê um filme, lê uma revista ou dedica-te a um livro. Ouviste-me? Ouviste-me? Estou a gritar e tu não me escutas, continuas a encher essa mala com a tua roupa imaculadamente dobrada aproveitando cada espaço vazio, sem desperdícios. Ignoras-me ou não me ouves, não sei bem qual das duas coisas é pior, fingires que não ouves que vou mudar ou já não conseguires ouvir-me. Mas eu continuo aqui, de cara colada neste vidro gelado a esforçar-me para que percebas que quero mudar, que quero melhorar, que não vou desistir até que olhes para mim e me ouças. Ouviste? Ouviste? Eu vou continuar aqui até que me ouças!
Começo a desesperar só de imaginar a tua ausência, começo a desesperar com o facto de me ignorares. É tarde? Diz-me, é tarde? Estou aqui aos murros nesta parede estúpida, que nem dignidade tem para ser vista, esmurro-a cada vez com mais força com a leve esperança que a possa partir e chegar até ti, pegar na tua mão, ajoelhar-me e fazer promessas que não sei se vou conseguir cumprir, mas serão as promessas que me vão na alma, ou pelo menos serão as promessas que devo fazer. É o que se espera de mim, certo? É isso, se conseguir chegar até ti tudo vai melhorar, tudo vai ser diferente. Mas este vidro irritante não me deixa, as minhas mãos ensanguentadas já me doem, começo aos pontapés, cada vez com mais força e, nada…nem o vidro se mexe, nem tu alteras a tua rotina, calmamente a colocares peça a peça na mala, vais arranjando o cabelo como se nada se passasse, ele cai-te e tu passeias as tuas mãos delicadas e maduras nesse teu voluptuoso cabelo preto, forte e brilhante, deixando-me cada vez mais desesperado.
Fechaste a mala, estás a olhar em volta a ver se falta alguma coisa. É agora a minha oportunidade. Arranjaste o fato, o cabelo, respiraste bem fundo até que finalmente te viraste. Olhaste-me nos olhos e sem que eu pudesse esboçar qualquer palavra, ouvi-te dizer: “Adeus”.
 
FOTO - ANTÓNIO TEDIM
TEXTO - RUI SANTOS (WWW.COGNITARE.BLOGSPOT.COM)

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