Não há regras para boas fotos, apenas há boas fotos
(Ansel Adams)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

UMA FOTO, UMA LEITURA

   FOTO - ANTÓNIO TEDIM
   TEXTO - RUI SANTOS (http://www.cognitare.blogspot.com/)






A Árvore que Há em Nós

Acordei no meio deste trilho descalço sobre uma terra húmida e escura a contrastar com um céu azul, limpo e sem nuvens que se sobrepunha às árvores que o ladeavam. A cada passo, a terra mantinha-se escura e húmida contrastando com o céu, ora azul ora a principiar o que parecia ser o início de uma nuvem, provocando-me uma sensação de conforto misturado com uma inquietação insegura.

Observei ao pormenor o que me rodeava e confirmei que os aglomerados de árvores reinavam naquele vale, cada árvore era ela própria; umas de tronco forte, altas, com as ramificações repletas de folhas vivas e macias com a palete de cores a passear-se desde o verde musgo ao castanho escuro; outras de troncos finos e frágeis, quase nuas com ramificações fracas e carentes de folhas, ou mesmo sem uma única folha. Continuei a caminhar, a terra permanecia húmida, escura e fértil, a cada passo o céu mantinha-se na alternância entre os espaços limpos e os nublados, num degradê desde o branco até ao cinzento. A terra começava a chamar por mim, como se estivéssemos ligados por um elo, caminhei até parar num espaço vazio como se me estivesse destinado, agachei-me e sentia terna, delicada e aveludada, o seu cheiro entrou em mim com uma sensação de conforto, a cada minuto que passava estávamos mais ligados.

Havia em mim uma sensação de dever para com ela, mas não conseguia perceber o quê. Ainda que não tivesse uma bússola, algo me encaminhou até aquele lugar, primeiro pelo trilho principal, depois por uma ramificação que esperava por mim. À medida que o tempo passava naquele lugar mágico, percebia que aquele preciso metro quadrado de terra húmida, escura e fértil me estava destinado e, nesse preciso momento em que tudo se tornou mais claro, senti nas minhas mãos uma semente. Com as minhas próprias mãos, abri um buraco e enterrei-a cuidadosamente no meu chão. Depois de garantir que ficou bem plantada, vi-a crescer, primeiro uns ramos finos culminando numa árvore corpulenta e vigorosa. A cada momento do seu crescimento, o meu corpo começava a ficar translúcido, sem perder a sua forma, apenas a vivacidade da sua cor. A árvore continuava a crescer e eu continuava a perder a minha opacidade, cada vez mais sincronizados enquanto um ganhava forma o outro desvanecia, até ao momento em que a ligação se torna mais forte e, lentamente, o meu corpo foi sugado pela árvore, onde, num momento natural, os dois se tornam num só corpo.

Naquele momento, fui humano e fui uma árvore. Observei em detalhe o meu novo estado, olhei para o tronco que de uma pequena raiz se tornou forte e robusto, para os meus ramos principais que se bifurcaram em pequenas ramificações, umas preenchidas de folhas com cores vivas, outras vazias à espera que se abrisse um orifício que possibilitasse o desabrochar de folhas, flores...de vida. A cada auscultação desta carapaça vi uma passagem da minha vida. Nos ramos cobertos de folhas cheias de vivacidade, como um trailer de um filme, vivi na lembrança passagens alegres, momentos felizes, rodeado da família, amigos e todos aqueles com quem vivenciei passagens venturosas. Olhei para cima e percebi que, onde havia mais folhas, o céu era mais limpo, mais azul, mais cristalino, mais quente, não havendo espaço para as nuvens cinzentas. O combustível que alimentava o meu novo corpo, que fazia crescer as folhas vivas retirando as nuvens cinzentas que cobre o meu céu era tudo aquilo que caminhou, até então, na minha vida ao meu lado. Nesse momento, em que tudo se tornou claro, algo mudou na minha nova fisionomia, houve uma agitação interna, queria perceber o que se passava, mas não podia chamar ninguém, não tinha voz, não tinha como o fazer, não sabia se o queria fazer. Após uns minutos de alguma turbulência, a serenidade voltou e a minha também...só que agora estava de novo fora da árvore.

Era de novo só humano, na forma, porque era também árvore. Do mesmo modo que algo me encaminhara até aquele local, fui de novo direcionado pelo mesmo caminho, mas em sentido inverso, voltando ao trilho principal. Passo a passo reparei nas muitas árvores repletas de folhas, troncos fortes cobertas por um céu limpo e quente transmitindo uma sensação de conforto. Queria ficar ali, mas tinha que caminhar, ainda faltava muito para o meu destino final. As árvores nuas estão cobertas de nuvens cinzentas pautando-se por uma sensação de desconforto.

Continuei a caminhar até chegar ao ponto inicial, vi as marcas dos meus pés bem vincada no início desta incursão. Coloquei os pés sobre elas, olhei para o céu e vi-o repartido entre o limpo azul celeste e o cinzento. Fechei os olhos e sorri ao mesmo tempo que abria os ramos para os frondescer.


(Uma foto, Uma leitura" é o resultado do desafio que lancei ao Rui Santos de escrever sobre algumas das minhas fotos.Neste post o desafio funcionou ao contrário:o Rui Santos enviou-me um texto e eu escolhi uma foto.Espero que gostem do resultado desta parceria).

Um comentário:

  1. É bom encontrar aqui dois talentos. Um na fotografia outro na escrita.
    Parabéns.

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