Não há regras para boas fotos, apenas há boas fotos
(Ansel Adams)

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

"Pergunto por ti às pedras" de Francisco José Rito

O escritor Francisco José Rito pediu-me que escolhesse uma foto minha para ilustrar o seu texto "Pergunto por ti às pedras".
É o resultado desse desafio que hoje publico.
 
 
 
 
 



Pergunto por ti às pedras

Desci a passos largos a ladeira que me trouxe aqui. Se estivesses comigo, a esta altura já terias gritado três vezes, ofegante, para que te esperasse. Deixavas-te sempre ficar para trás e eu delirava, observando-te as cores rubras. Adorava a tua cara de esforço a chamar-me silenciosamente todos os nomes do dicionário, por te arrancar do teu quotidiano e te fazer voar comigo, até onde as pernas nos levassem. Quanto mais reclamavas, mais eu fugia. Sabia que para trás não irias…

Seguias-me até ao fim do mundo. Que mais não fosse, por orgulho; nem que ao fim fosse preciso eu carregar-te nos ombros. Mas notava-se no brilho esverdeado dos teus olhos que não era só por orgulho que o fazias. Não conseguíamos disfarçar o prazer de estar juntos.

É disso que tenho mais saudades. Do desafio permanente que era estar contigo. Os dias nunca eram iguais. Fazíamos de cada momento uma aventura e ao sair de casa, nunca sabíamos onde as nossas cabeças de vento e a vontade de ser feliz nos levariam. E muitas vezes trouxe-nos aqui, a este paraíso, escondido entre as encostas da serra.

Venho aqui frequentemente, mas este pedaço de céu não é igual sem ti. Tudo à minha volta são recordações. Vejo-te de pés descalços a correr nas águas da ribeira, a trepar nas árvores, perseguindo os pássaros, à procura dos seus ninhos. Conhecia-los a todos pelo nome e eu tentava disfarçar o orgulho que tinha em ti, assumindo-me embaraçado por não te acompanhar nessa capacidade.

Hoje parecem-me mais do que nunca, num chilrear constante, como que dando-me as boas vindas. Parecem conhecer-me, saudar-me, mas eu não os distingo. Isso eras tu, que fechavas os olhos e conseguias identificá-los a todos pelo canto. Que à tua direita cantava um rouxinol, à esquerda um verdilhão, atrás de ti um pintassilgo. Eu apenas os oiço e recordo tempos idos...

 

 
Mergulho na lagoa extasiado, como quem refresca as penas. Nas águas da cascata, tento lavar-me de ti, mas em vão. Acendo um cigarro na fogueira onde grelho um naco de carne, mais pelo sentido de responsabilidade, que por fome. É preciso preparar o estômago para este tinto maduro, o mesmo que tantas vezes saboreamos, entrelaçados.


Ponho a mesa para dois, olho à minha volta e espero-te, mas sei que não virás.

Dou comigo a murmurar o teu nome ao vento. Pergunto por ti às pedras...

Não preciso que me respondam para saber que não te viram. Sei que nunca mais cá voltaste. Tens essa capacidade, quando viras a página, jamais regressas ao parágrafo anterior.

Não sei se isso é bom ou mau. Muitas vezes desejei essa capacidade, mas não a tenho. Por outro lado, neste momento que mais teria eu, além das recordações? O recordar também é viver e estas memórias são bálsamos. Por isso não posso nem quero esquecer-te.

Tu farás como entenderes, mas eu hei-de voltar sempre aqui, enquanto estas águas me lavarem a alma e as saudades.


Vou embora. Deixo-te o que resta da fogueira acesa e meia garrafa de vinho, mesmo sabendo que não o virás beber; que o carvão se apagará sem que tu chegues.
Quem sabe um dia, esta chama que me consome, também se extinguirá.

Foto - António Tedim
Texto - Francisco José Rito www.namoradodaria.blogspot.com


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